Indo de peito aberto ao encontro com os Minotauros…
Por Nathalia Leter
A ideia, inicialmente, era para ser apenas uma noite de música instrumental… Mas desde sempre parecia haver algo mais. E, de fato, havia. O Projeto Labyrinthus começou em setembro do ano passado. Mas o Projeto LABYRINTHUS começou ontem, dia 29.03.14. Em meio a texturas sonoras, densidades vocais, dissonâncias e reverberações que flutuavam pela Sala Décio de Almeida Prado, no Espaço Florescer, e pareciam apenas dizer respeito a uma noite de experimentações contemporâneas, eu observava e sentia que outras narrativas se passavam nas imediações dos sentidos, pelas camadas… Sentía-me imersa no Labirinto. Sensações e impressões diversas me atravessavam sem que eu tivesse tempo para concatenar, dar corpo, refletir… Apenas absorver. E a jornada ia me vencendo até romper todas as resistências e por fim, entreguei-me à experiência. Vi que o mesmo se passou com muitos outros corpos ali presentes: atingíamos um ponto onde a aceitação dava lugar a um vazio e dentro desse vazio começou a acontecer uma autêntica e inenarrável qualidade de escuta. Nunca havia vivenciado as ondas sonoras daquela maneira. Cada freqüência, cada timbre, tom, cor se desdobravam em mim e achavam espaço para fluir de maneira que jamais fora possível. Então percebi que havíamos tocado o propósito da história: mergulhar nesse labirinto em direção ao coração do som.
Nathalia – Andrea, o que é o ‘labirinto’?
Andrea – É se lançar para dentro sabendo que é um labirinto. E eu não estou lá tentando desesperadamente encontrar uma ‘saída’. A minha busca não é por uma ‘saída’, mas pelo ‘como’ eu saio… Eu estou preocupada em ‘como’, porque afinal de contas a gente sai de um labirinto para entrar em outro.
Nathalia – O que é o ‘labirinto’, Andrea?
Andrea – O meu labirinto é todo feito de espelhos… Ele reflete todos os meus estados e eu posso ver tudo em tempo real. Tudo é visível. O labirinto é quando a gente se identifica com a experiência. Nós acreditamos que somos aquilo que estamos vivendo. E é pelo esclarecimento que a gente encontra a saída.
Nathalia – Que tipo de esclarecimento?
Andrea – Aquele que vem quando a gente finalmente compreende a experiência, cumpre o percurso.
Nathalia – Entendo o que você quer dizer… O labirinto na verdade não tem uma ‘porta’. Ele mesmo não existe, é a gente que o cria para viver a experiência?
Andrea – Sim, o labirinto está dentro da gente. E você só sai de lá quando vem o esclarecimento. Mas você sai para entrar em outro logo em seguida. A Iluminação, para mim, é quando cessam todos os labirintos: você já não precisa de mais nenhum.
Nathalia – O que é que se passa com as pessoas em relação aos seus próprios labirintos?
Andrea – A maior parte das pessoas nem percebe que está num labirinto. Não o sente. E é sempre mais fácil projetar as coisas no outro… O ‘mal’ sempre está no outro, a culpa é do outro. O labirinto é a arena onde você vive uma série de experiências até chegar a uma escolha. É o lugar das escolhas. Porque, por enquanto, você é metade Homem, metade animal… E você entra lá para se tornar inteiro. Como é que você quer ser INTEIRO? Homem ou animal? É imersos nesse lugar que estamos. E há pessoas que nem sabem que estão lá, precisam ser noticiadas…
Nathalia – E você sente que ontem escancarou-se essa notícia?
Andrea – Sim… Porque chega uma hora que nem a consciência basta. A pessoa até tem a consciência da própria situação, mas não vai adiante. E aqui não tem negociação, não tem escambo. É isso ou aquilo.
Nathalia – E você sente que ali, no tempo dilatado da arte, na intensidade da expressão poética, pode se viver uma qualidade de presença mais concentrada e isso ‘catalisaria’ os processos? Quer dizer, a experiência do labirinto se intensifica a tal ponto que pode gerar um deslocamento?
Andrea – É exatamente isso. A experiência ali é tão condensada que a gente catalisa o processo e colapsa uma mudança de estado: a gente provoca a saída daquele lugar pelo tempo de presença. E na presença do outro a gente percebe muitas coisas. A gente se dá conta do lugar onde está e dos lugares onde já não está mais e nem havia percebido… Lugares não atualizados em nós mesmos.O Projeto Labyrinthus consiste em percebermos onde estamos e suportar sustentar a presença para, juntos, conseguir viver a experiência que pode colapsar uma nova dimensão de entendimento, um novo esclarecimento sobre nós mesmos…
Nathalia – Provocar uma nova dobra no labirinto?
Andrea – Isso, uma nova dobra. Porque ele vai continuar… O cenário é que muda, conforme a sua necessidade de compreensão. Ele tem que mudar. Você às vezes perde um longo tempo num labirinto confortável, gostoso, onde as coisas funcionam muito bem e você é aplaudido… Tudo muito sedutor e atraente.
Nathalia – Até que um dia isso te cansa ou deixa de funcionar…
Andrea – É, aí você vai descobrindo novas dobras do lugar… aí você começa a caminhar. E cada novo percurso tem um aspecto diferente, mas é sempre parte do mesmo. O labirinto é você, né? É aqui na Terra.
Nathalia – E o que é o fio de Ariadne? Quem é Ariadne?
Andrea – Ariadne é alguém em você mesmo, mas três vezes oitavado… É alguém que nos lança o fio para ajudar a sair do labirinto, enquanto um outro eu em nós o busca para conseguir sair. E tudo isso acontece para testar a força da nossa intuição e da confiança em nós mesmos. E aí surgem as religiões prometendo a ‘salvação’, mas ninguém pode tira-lo dali: é você que faz algo por si e se salva. A gente está aqui para fortalecer nosso coração e fazer uma escolha… E ela só acontece quando o coração está pronto. O coração é a bússola que indica a direção.
Nathalia – E porque a música é o fio condutor?
Andrea – Porque assim como todos os povos têm seus livros sagrados, suas Bíblias, eu tenho a música. A música é o livro onde eu me leio. A voz não te deixa mentir sobre você mesmo… Diante do som, pelo menos da forma como eu compreendo o som, o ‘verbo criador’, não há como escapar da própria presença. Então é na música que eu me ‘fio’, me afio, me des-a-fio, me afino, desafino, afirmo, reafirmo..
Nathalia – E o que devemos esperar para o próximo Labyrinthus?
Andrea – Vamos apresentar “Ópera Réquiem – Jornada em 4 ATHOS”… Meu maior (desa)fio de Ariadne! Um Himalaia que comecei a compor aos 17 anos e depois passei minha vida inteira ganhando estrutura para escala-lo… É uma ‘ópera contemporânea’, vamos colocar assim. Uma das frases do Réquiem tem a ver com tudo o que conversamos sobre o Labyrinthus: “Quando a gente perde o norte, encontra o coração”.
Nathalia – Essa seria a frase lapidar da obra?
Andrea – É uma delas… Há essa outra: “Ninguém pode te indicar o caminho… Nem Deus”.
Belissima entrevista. Muitissimo obrigada pelo compartilhamento.
Nossa gente, sem palavras! É isso! É isso! pronto, sem mais.